A circunstância da formação do novo Governo e da composição dos gabinetes ministeriais é um bom pretexto para reflectir acerca de uma questão que, sendo orgânica ou organizativa, tem bastante importância política, pois se reporta ao modo como o Governo se relaciona com a Administração.
Tenho a impressão de que, quando o PS chega ao poder no final da década passada, depois de 10 anos de cavaquismo, alimenta um sentimento de desconfiança face à Administração Pública, justa ou injustamente suspeita de coloração “laranja”. Como vai então o PS resolver o problema? Não confiando nas chefias nem nos funcionários, vai empolar os gabinetes dos membros do Governo (justamente com quadros “de confiança”) e vai multiplicar os actos de contratação de serviços exteriores (em regime de outsourcing).
O fenómeno é conhecido. Um assessor de gabinete passa a ter, porventura, mais poder que um Director Geral. Quase se estabelece uma Administração paralela, com duplicação de serviços e de competências. Apesar de haver num Ministério um gabinete jurídico, contratam-se pareceres milionários a escritórios de advogados, os mesmos que, a peso de ouro, redigem os contratos públicos.
Estas práticas têm reconhecidos inconvenientes. Em vez de se promover uma Administração com sentido de Estado e com mentalidade de serviço público, gera-se uma Administração partidarizada, como uma clientela que se expande indevidamente. Em vez de se valorizarem as competências dos funcionários, deixa-se vegetar as repartições, favorecendo o sector privado lucrativo. E os custos da operação são evidentemente excessivos, duplicando serviços, provocando desperdício, perdendo a colaboração de profissionais por vezes competentes.
Uma reforma da Administração Pública deveria ter isto em conta. Redução dos gabinetes ministeriais, qualificação dos quadros dos serviços públicos, limitação ao máximo da contratação privada, relação de confiança entre o Governo e a Administração: deveriam ser objectivos de uma política para o sector.