Numa bizarra declaração, o Presidente da República quebrou ontem o ruidoso silêncio sobre as supostas escutas em Belém que assombraram a campanha eleitoral das legislativas.
Dizendo-se “forçado a partilhar” as suas interpretações sobre as notícias que davam conta dessas suspeitas, levantadas pelo seu assessor de confiança, Cavaco concluiu que se tratou de uma “manipulação” dos socialistas para o tentarem “puxar para a luta político-partidária encostando-o ao PSD” e “desviar as atenções do debate eleitoral das questões que realmente preocupavam os cidadãos”.
Num tom de grande hostilidade, o Presidente, auto-proclamado do “rigor” e da “isenção”, veio justificar o clima de paranóia que invadiu Belém atacando violentamente os dirigentes do PS que comentaram publicamente uma notícia do Semanário de 7 de Agosto que dava conta da colaboração de assessores da sua casa civil no programa de governo do PSD. Notícia, aliás, que o próprio PSD, deslumbrado pela proeminência dos seus colaboradores, integrou no seu site.
“Mentira” clamou vigorosamente Cavaco. Mesmo que fosse. O que têm a ver essas declarações com a inventona de espionagem, que pelos vistos já burilava nas cabeças de Belém desde a visita à Madeira há 17 meses onde se “infiltrou” um assessor-espião do Governo?
“Qual é o crime de um cidadão, mesmo que seja membro do staff da casa civil do presidente, ter sentimentos de desconfiança ou de outra natureza em relação a atitudes de outra pessoa”, pergunta-se indignado o presidente que afiança que ninguém está autorizado a falar por ele.
A verdade é que, com ou sem autorização, esse cidadão veio para a praça pública levantar graves suspeitas sobre a confidencialidade das comunicações do titular do mais alto cargo da nação. Que fez o Presidente? Demitiu-o de funções mas mantém-no em Belém, como convém. E escudou-se num ruidoso silêncio adiando para depois das eleições uma inédita comunicação sobre o assunto, onde se esqueceu de explicar que novas arestas o cidadão Fernando vai Limar.
Este bizarro epílogo de mais um tabu de Cavaco Silva é revelador de um clima de roda-viva que se abateu para os lados de Belém. É a fuga para a frente do Presidente, apanhado na sua própria armadilha de tentar fazer o jogo do PSD e, numa manobra desesperada, querer recuperar na secretaria o que a sua equipa perdeu nas urnas.
Uma crispação de confrangedora falta de inteligência que é, em si mesma, um insulto à inteligência dos portugueses.