Coimbra será sempre para mim a cidade dos sonhos. A cidade de uma geração que sonhou libertar e mudar Portugal. Não apenas pela intervenção política. Mas também pela intervenção cultural, pelo teatro, pela poesia, pela música.
A geração que fundou o CITAC e deu projecção nacional e internacional ao TEUC. A geração da guitarra de António Portugal, da viola de Rui Pato, das baladas de José Afonso e das trovas de Adriano Correia de Oliveira. A geração de onde sairia António Arnaut para mais tarde fundar o Serviço Nacional de Saúde.
Para mim Coimbra, é também a lição de três referências fundamentais: Paulo Quintela e a lição da língua portuguesa; Fernando Valle e a lição da fraternidade e da tolerância; Miguel Torga e a lição da liberdade e da portugalidade.
E por isso eu lembro hoje essa Coimbra, não com saudades do passado, mas com saudades do futuro que todos então sonhámos. E é em nome desse sonho que venho dizer-vos, sem ambiguidades, que não serei candidato a qualquer preço.
Não serei candidato para renegar os meus valores, a minha vida e as minhas convicções. Quem quiser apoiar-me terá de apoiar-me tal como sou.
Sou um republicano para quem a ética republicana não se funda apenas na lei, mas na consciência e no comportamento.
Sou um socialista para quem o socialismo, antes de ser uma ideologia e um projecto de poder, é uma ética e um humanismo.
Sou um democrata para quem a democracia deve ser uma vivência transparente e não um jogo obscuro de poder pelo poder.
Sou um patriota para quem Portugal não é um sítio, mas uma história, uma língua, uma cultura, uma identidade.
Não me candidato para promover a queda de governos, nem para governar por interposta pessoa, mas para inspirar o cumprimento do projecto que está inscrito na Constituição : democracia política, democracia económica, democracia social.
Mas também uma cidadania moderna alargada à multiplicidade de identidades, à inclusão, ao reconhecimento da participação política aos não nacionais, à não discriminação das pessoas com incapacidades, à protecção das pessoas em situação de dependência, aos novos direitos surgidos dos avanços científicos e tecnológicos, aos novos direitos emergentes, como o direito à segurança vital (água potável, energia, alimentação), bem como o direito à protecção do ambiente, à diversidade de orientação sexual e ao desenvolvimento pessoal.
Portugal está a viver um clima de suspeição, insinuação e crispação que contamina a saúde da República.
Há que repor rapidamente a normalidade democrática, a cooperação institucional, o primado do interesse nacional sobre o excesso de tacticismo, de cálculo e de intriga política.
A estabilidade é hoje um factor estratégico para o país enfrentar a grave crise económica e financeira. Tal só é possível restabelecendo a confiança, a serenidade, a transparência e a ética pública como fundamento da Democracia.
Os portugueses querem um país justo e limpo, um país decente, onde as instituições funcionem, o governo governe, a Assembleia legisle e fiscalize e o Presidente da República zele pelo cumprimento da Constituição e dos princípios fundamentais do Estado de Direito.
Passados menos de quatro meses sobre a realização de eleições, os portugueses não compreendem que se esteja a viver uma crise política, que é sobretudo de credibilidade e confiança, em vez de se procurar resolver as dificuldades que enfrentam no dia a dia: o desemprego, as falências, a precariedade, a falta de meios para pagar a casa, a escola e a alimentação dos filhos.
Há cerca de três dias, num programa de Televisão sobre as dificuldades dos precários, um dos entrevistados definiu a sua geração da seguinte maneira: “Geração nem nem, nem trabalho, nem futuro”.
Fiquei profundamente chocado e revoltado. Porque não foi este o Portugal que nós sonhámos. Não foi por um Portugal assim que nós lutámos.
É preciso mudar. Mudar o sentido da política. Mudar o conteúdo da Democracia, para criar em Portugal, como defendia o grande António Sérgio, as condições concretas da liberdade.
Porque não é possível um país onde os jovens sentem que não têm lugar.
Não é possível um país onde os jovens dizem, como outro dos entrevistados disse, que são a geração perdida.
E por isso, como costumava dizer Miguel Torga, “é preciso ser contra isto para ser por isto”.
É esse o sentido da minha candidatura: o país, as pessoas, o bem comum.
Nunca confundi política com negócios, nem nunca pus projectos pessoais ou de partido acima dos superiores interesses do país e da democracia.
Nunca sacrifiquei os valores essenciais que sempre pautaram a minha conduta: o sentido da honra, da integridade e do serviço desinteressado à causa pública.
Lembro-me bem de como era viver sem democracia, sem imprensa livre nem tribunais independentes, sem oposição e com a economia reduzida a meia dúzia de grupos económicos enfeudados a um só homem.
Só quem não viveu esses tempos - ou não sabe o que foram esses tempos – pode afirmar que hoje não há liberdade de expressão em Portugal. Há liberdade, felizmente há liberdade.
É uma conquista que deve ser protegida, consolidada e acarinhada, com abertura, tolerância, respeito pela diferença e intransigência perante qualquer tentativa de abuso, condicionamento ou controlo da comunicação social.
Trata-se de um princípio que deve estar inscrito no código moral de qualquer democrata e sobretudo de todos os socialistas, dado o capital único do PS na defesa da liberdade e na construção da democracia em Portugal.
Mas a liberdade de informar não pode ser sinónimo de devassa. A lealdade de qualquer jornalista que se preze deve ser para com a verdade dos factos. É uma função essencial ao normal funcionamento da democracia. Os limites são conhecidos, estão definidos na lei e devem ser respeitados por todos.
Há princípios constitucionais que consubstanciam o espírito do 25 de Abril e constituem os pilares do Estado de Direito: subordinação do poder económico ao poder político democrático; autonomia e independência da comunicação social; separação do poder político, do poder legislativo e do poder judicial.
Sempre me opus e oporei às promiscuidades que resultam da subversão destes princípios.
Qualquer uma dessas promiscuidades contamina a saúde da República.
É o caso, por exemplo, da promiscuidade entre a justiça, a política e a comunicação social.
Quando a Justiça não funciona cai-se no justicialismo. E o justicialismo substitui os tribunais pela praça pública. Sempre que tal acontece é a própria justiça que está em causa. E com ela o Estado de Direito.
Não há segredo de justiça quando a justiça não funciona. Ou quando alguns dos agentes fundamentais do sistema judicial se convencem de que a justiça não funciona e decidem passar, eles próprios, à acção, arvorados em justiceiros.
Essa é outra perigosa tentação. Sabe-se como começa, não se sabe onde acaba.
Ninguém está acima da lei. E ninguém está acima da crítica. Nem governo, nem parlamento, nem Presidente, nem justiça, nem comunicação social. Cada um deve cumprir a sua função numa lógica de serviço público, não numa lógica conspirativa ou justicialista.
Portugal enfrenta uma crise que não é apenas orçamental, é económica e social, com causas externas e causas nacionais. Umas frases infelizes de Joaquim Almunia e as notações negativas das agências de rating fizeram com que Portugal possa perder centenas de milhões de euros só de juros a mais. Sublinhe-se que estas agências, que já se enganaram na crise de 2007, não estão abrangidas por nenhum regime de responsabilidade jurídica. Podem sujeitar um país a sacrifícios incalculáveis. E nada lhes acontece. Já não se trata de economia de mercado. Trata-se pura e simplesmente de ditadura do mercado. Parece, aliás, que nada se aprendeu com a crise que está longe de ter sido ultrapassada. Toda a gente sabe que a crise foi provocada pela especulação de um sistema financeiro não controlado. Mas um cidadão desprevenido que oiça agora certos economistas e analistas fica com a sensação de que a culpa é sua. A culpa é sua e de outros cidadãos que reclamaram aumentos de salários, saúde pública, enfim, privilégios impossíveis de assimilar por um sistema que teria funcionado bem se não fosse a loucura dos cidadãos que reclamam os seus direitos.
Eles aí estão outra vez, os mesmos tecnocratas do sistema. Com as mesmas receitas e a mesma arrogância de sempre.
Criticaram-me por eu ter dito que era preciso outra economia. E até me acusaram de não saber de economia. Mas a economia que nos conduziu ao desemprego, às desigualdades e à precariedade não é a economia que precisamos de saber.
A economia que fecha todos os dias fábricas e empresas, que estimula o consumismo desenfreado e que provoca cada dia novos sobre-endividados não é a economia que precisamos de saber. Já estamos cansados desta economia em que os lucros são sempre privados e as perdas são sempre socializadas.
A economia que precisamos de saber é outra. É a economia que permite a uma família de desempregados sobreviver com dignidade. É a economia de quem partilha e é capaz de multiplicar valor sem exploração e sem subsidiodependência. É a economia de quem sabe criar emprego, inovar e valorizar as suas empresas e os seus trabalhadores. Precisamos de outra economia.
Outra economia que é talvez a que levou um homem que foi operário e é hoje presidente do Brasil, a acreditar e conseguir o que outros não conseguiram: fazer com que os seus compatriotas vivam melhor. Também Lula da Silva foi acusado de não saber de economia. Mas afinal parece que ele é que sabia. Sabia de outra economia.
Uma economia voltada para as pessoas. É essa que nos interessa. É essa de que precisamos.
Em democracia só é possível liderar pelo exemplo. A nossa República padece de um excesso de tacticismos. Não é um bom exemplo, nem uma forma sã de liderança.
Há cargos que são um encargo e um risco. Não podem ser um refúgio de silêncios pendentes, nem de cálculo pessoal.
Vivemos um momento difícil, que deve ser enfrentado com palavras claras e uma atitude inspiradora, em vez de manobras de bastidores que apenas agravam a crise instalada. Por vezes interrogo-me se uma certa forma de distanciamento tem com objectivo ajudar a ultrapassar a crise ou capitalizar com ela. Em democracia há sempre soluções para as crises, desde que exista vontade de as vencer. Cabe aos órgãos de soberania e aos partidos políticos promover a necessária clarificação.
Como disse um clássico (Tocqueville) “ As sociedades políticas não são as leis feitas, mas as ideias, as crenças e os sentimentos dos homens que as lideram”.
É nesse sentido que eu penso que a próxima eleição presidencial se reveste de capital importância. É através dela que se pode operar no país uma mudança. Pelas ideias, pelo exemplo, pelo projecto. O resultado da próxima eleição presidencial pode traduzir-se num avanço ou numa regressão.
Não só para o PS, não só para a esquerda, mas para todos aqueles que defendem uma cidadania mais avançada, mais aberta, mais justa e mais exigente.
Sei bem o que é preciso para ganhar. É um combate difícil. Mas a vitória é possível.
Não com base na desunião ou numa falsa unidade de propósitos.
Não se confundirmos questões pessoais com questões políticas.
Não se houver quem esteja mais empenhado em patrocinar candidatos contra a minha candidatura do que em derrotar o candidato da direita. O ressentimento nunca foi um motor para a vitória.
É tempo de saber quem quer unir e quem quer dividir.
É tempo de saber quem quer ganhar e quem quer apenas ajustar contas e atrapalhar.
Nós não nos enganamos de combate.
Nós não nos enganamos de adversário.
Nós não estamos aqui por azedume nem por interesse pessoal.
Estamos aqui por ideal democrático, estamos aqui pela esquerda dos valores, estamos aqui por fidelidade ao combate de toda a vida.
A todos nós exige-se bom senso, espírito construtivo e um grande sentido da responsabilidade.
Para superarmos as nossas diferenças em nome do que é essencial.
Para construirmos a unidade que é o primeiro passo para a vitória.
Eu acredito que é possível e é por isso que estou aqui. Tal como sou, com uma independência que não tem preço e com princípios que não são negociáveis.
Como um homem livre apoiado por homens e mulheres livres, determinado a lutar e a vencer, com todos vós, por uma nova esperança para a República e para Portugal.
19 de Fevereiro de 2010
